CONTRIBUINTES VENCEM NO STJ TESE DO JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO
Para 2ª Turma, valores acumulados podem ser deduzidos do IRPJ e CSLL
Por Joice Bacelo — Do Rio
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu, nesta semana, uma discussão importante para as empresas que
distribuem juros sobre capital próprio (JCP) aos seus acionistas, sócios e cotistas. Ficou definido que os
pagamentos acumulados – que incluem valores referentes a anos anteriores – podem ser deduzidos da base de
cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL.
Esse julgamento era bastante aguardado pelo mercado. O STJ havia decidido sobre o tema, de forma colegiada,
uma única vez: em 2009. Os ministros se posicionaram a favor das deduções, naquela ocasião, e o
entendimento vinha sendo aplicado, desde lá, em decisões monocráticas.
A preocupação era de que, agora, com esse novo julgamento pudesse haver mudança de jurisprudência na
Corte – o que não aconteceu. A decisão para manter o entendimento foi proferida pela 2ª Turma na sessão de
terça-feira. O placar fechou em 4 a 1.
Os juros sobre capital próprio, na prática, funcionam como uma forma de distribuição de lucros alternativa aos
dividendos. Mas, conceitualmente, são os juros com os quais as empresas remuneram os seus sócios por terem
investido capital. É como se o dinheiro aplicado na companhia fosse um empréstimo.
Esse mecanismo foi instituído pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/1995 e não é obrigatório. Para as empresas, no
entanto, pode ser uma forma de incentivar investimentos e, ao mesmo tempo, reduzir carga tributária.
O acionista que recebe os valores tem desconto de imposto, na fonte, de 15%. Já a empresa que distribui lança
esse dinheiro como despesa e pode deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.
“Foi criado para evitar o endividamento excessivo das empresas. Esse instrumento coloca o financiamento com
capital do próprio sócio em pé de igualdade, sob a ótica fiscal, com o financiamento por terceiros”,
contextualiza o advogado Vinícius Jucá, do escritório Lefosse.
Quando a empresa distribui JCP e desconta esses valores da base de cálculo do imposto referente ao mesmo
ano não há qualquer discussão. O problema ocorre quando as empresas “atrasam” e os pagamentos são feitos
de forma retroativa – calculando juros sobre capital próprio de anos passados.
A Receita Federal entende que as deduções não são possíveis nesse formato. Há posição expressa em instrução
normativa publicada em 1996 de que as deduções de JCP têm que respeitar o “regime de competência”. Posição
do Fisco nesse mesmo sentido também foi publicada por meio de solução de consulta, a nº 329, de 2014.
Os ministros da 2ª Turma analisaram esse tema por meio de dois recursos apresentados pela Fazenda Nacional
contra decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo (REsp 1955120 e
REsp 1946363).
Um desses processos envolve o Banco Safra e o outro a Luizacred. As discussões se iniciaram na sessão do dia
8 deste mês e foram suspensas, naquela ocasião, por pedido de vista do ministro Herman Benjamin. Foi ele
quem, na terça-feira, reabriu o julgamento.
O ministro Benjamin, ao fazer a leitura do seu voto, revelou informações sobre o caso envolvendo a Luizacred.
A empresa efetuou o pagamento de cerca de R$ 12 milhões aos seus acionistas, a título de JCP, no ano de 2006,
e incluiu valores referentes aos exercícios de 2001 a 2005.
A empresa descontou todo o valor do cálculo do IRPJ e da CSLL, mas a Receita Federal reconheceu somente a
parcela referente ao ano de competência dos tributos: R$ 3,1 milhões. E aplicou o auto de infração.
Representante da Luizacred nesse caso, o advogado Ricardo Krakowiak, argumentou aos ministros, durante o
julgamento, que a Lei nº 9.249, de 1995, que instituiu o mecanismo, não impõe limite temporal algum.
Ele frisou que a legislação traz apenas o limite quantitativo dos juros que podem ser pagos – a TJLP -, incidente
sobre as contas do patrimônio líquido de cada ano. E, além disso, estabelece uma condição para os pagamentos:
o valor dos juros sobre capital próprio não pode exceder 50% dos lucros.
“O objetivo da norma é estimular a capitalização das empresas em lugar de elas pegarem recursos mediante
empréstimo. Quanto mais tempo a empresa permanecer capitalizada antes de pagar os juros, melhor. Obrigar
a fazer os pagamentos ano a ano para ter direito à dedutibilidade seria o mesmo que ela continuasse pegando
dinheiro no mercado. Objetivo oposto ao da norma”, disse o advogado.
Dois ministros proferiram votos na sessão do dia 8. O relator dos dois recursos na turma, Francisco Falcão, e
Humberto Martins – ambos a favor das deduções.
Falcão considerou que o tema estava “pacificado” na Corte. Ele citou decisões monocráticas, a favor da
deduções, tanto de ministros da 2ª Turma como também de integrantes da 1ª Turma, as únicas responsáveis
por julgar questões tributárias no STJ.
“Diferentemente do alegado pela Fazenda Nacional, a lei determina textualmente que a pessoa jurídica pode
deduzir os juros sobre capital próprio do lucro real e resultado ajustado no momento do pagamento aos seus
sócios acionistas”, afirmou.
O ministro Herman Benjamin, que reabriu as discussões na terça-feira, divergiu. Para ele, não poderiam ser
permitidas deduções referentes a períodos passados. “Todas as operações societárias que repercutem nas
contas do patrimônio líquido devem ser registradas anualmente, segundo as regras contábeis. Não é registrar
quando quer. Porque isso inviabiliza a ação do Fisco”, frisou ao proferir o seu voto.
Ele foi o único, no entanto, a entender dessa forma. Os ministros que votaram na sequência, Mauro Campbell
e Assusete Magalhães, acompanharam o relator.
Assusete enfatizou, em seu voto, que o impacto contábil da deliberação do pagamento de JCP recai “única e
exclusivamente” no exercício em que houve a opção de creditar ou pagar os valores aos sócios. “Corresponde
à despesa do exercício da deliberação, embora adote no cálculo elementos de contas de resultado e patrimônio
líquido de exercícios pretéritos.”
Advogados que acompanham o tema exaltaram o voto da ministra. Foi tratado como “extremamente
esclarecedor”. “Ela foi diretamente no ponto modal. A despesa fiscal nasce e deve ser registrada no exercício
em que há deliberação social para o pagamento de JCP. Por isso, a distribuição acumulada é absolutamente
compatível com o regime de competência”, observa Felipe Salomon, do escritório Levy e Salomão.
Representante do Banco Safra nesse caso, Leonardo Andrade, do escritório ALS Advogados, diz que o resultado
preserva a segurança jurídica. “Há mais de dez anos já existia um precendente do próprio STJ nesse sentido,
que moldou a jurisprudência tanto dos juízos de primeira instância quanto dos tribunais federais e essa
jurisprudência acabou sendo seguida pelas empresas, que se sentiram seguras para adotar esse procedimento”,
disse ao Valor.
Acesso em:
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/11/24/contribuintes-vencem-no-stj-tese-do-juros-sobr