Em julgamento bilionário, a corte definiu que leis estaduais que regulamentam a cobrança de ITCMD são inconstitucionais
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta sexta-feira (26), que as leis estaduais que regulamentam a cobrança de imposto sobre herança, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação), são inconstitucionais.
A corte, porém, ainda não definiu se os estados deverão devolver o imposto cobrado até hoje porque as legislações não tinham validade ou se a decisão só valerá da publicação do acórdão do julgamento em diante.
O tributo incide sobre brasileiros que fazem doação ou deixam herança de bens no exterior.
Sete ministros entenderam que o imposto só pode ser regulamentado por lei complementar federal a ser aprovada pelo Congresso e que os estados não poderiam ter atuado nesse sentido.
Entre os sete, porém, houve divergência. Os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Kassio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski votaram para que a decisão não tenha efeito retroativo e as cobranças já feitas com base nas leis estaduais não sejam ressarcidas.
Os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, porém, afirmaram que as legislações estaduais são nulas e que nunca poderiam ter entrado em vigência, abrindo espaço para que as pessoas cobrem de volta os recursos pagos relativos ao ITCMD.
Os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes, por sua vez, entenderam que as unidades da federação têm competência para editar legislações que regulamentem o imposto até que sobrevenha lei federal sobre o tema.
O julgamento ocorreu no plenário virtual e, como não houve maioria de seis votos em nenhum sentido, não há como afirmar qual decisão irá prevalecer.
O Supremo informou à reportagem que uma definição sobre a proclamação do resultado da análise do tema deve sair na próxima segunda-feira (1).
O julgamento do recurso tem repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão vale para todos os processos sobre o tema no Brasil.
O caso concreto trata de um processo movido pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, que argumenta que algumas das famílias mais ricas do estado enviam dinheiro a paraísos fiscais para escapar da tributação na herança.
José Antonio Dias Toffoli foi o oitavo e último ministro nomeado por Lula. Ele chegou à corte em 2009, aos 41 anos, em uma das indicações mais polêmicas do então presidente. Na época, era o ministro mais jovem dos 11 que compunham o supremo. Antes de chegar à cadeira, Toffoli foi AGU e subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil Nelson Jr.
Relator do caso, Toffoli defendeu que o imposto só pode ser regulamentado por meio de lei complementar federal, vetando a atuação dos estados nesse sentido.
A proposta para que a decisão não tenha efeito retroativo, porém, visa evitar prejuízo aos cofres estaduais.
“Só no estado de São Paulo, a consequência da decisão, incluindo a projeção para os próximos cinco anos, será um negativo impacto orçamentário de R$ 5.418.145.428,86, em valores estimados, sendo que a maior parte dessa perda é reputada como imediata”, disse.
Segundo o ministro, é papel do Legislativo federal tratar do tema:
“Foi devido ao elemento da extraterritorialidade que o Constituinte ordenou ao Congresso Nacional que procedesse a um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária, com o intuito de evitar conflitos de competências geradores de bitributação entre os estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possui acordos comerciais, mantendo uniforme o sistema de tributos”, sustentou Toffoli.
O advogado Marco Aurélio Silva, especializado em sucessão de patrimônio, afirma que, se prevalecer a decisão de Toffoli e o Congresso não regulamentar a tributação, haverá uma intensificação do envio de recursos para o exterior com o objetivo de evitar a tributação em caso de doação.
“O aumento e a modernização tecnológica das plataformas de investimento offshore nos últimos anos deve incentivar ainda mais famílias a utilizarem esta estratégia para fugir da cobrança do ITCMD”, afirma.
A advogada Janaina Rodrigues Pereira, que atua na área e tem mestrado na Universidade de Salamanca, na Espanha, defende que restringir os efeitos da decisão, como propôs Toffoli, vai na contramão do entendimento firmado pelo Supremo em outro julgamento recente.
“O Supremo já reconheceu que não pode uma lei nascer de forma viciada e surtir efeitos por tantos anos. Eu me alinho mais ao entendimento do ministro Marco Aurélio de preservar o texto elaborado pelo constituinte originário de 1988. A lei está viciada desde a origem e não há que se falar em modulação de efeito”, opina.
Por Matheus Teixeira
Fonte: Folha de São Paulo