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O sped como aliado de um bom programa de compliance

By 13 de maio de 2023 No Comments

Ainda em 2023, a repetição da narrativa do cumprimento de obrigações acessórias como razão do entrave ao desenvolvimento econômico tornou-se mera retórica para agradar a plateia.

 

Inegável, a digitalização das obrigações acessórias[1] exigidas dos contribuintes pessoas físicas e jurídicas através dos órgãos instituídos pelos entes da Federação (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), trouxe ao largo do tempo, maior e eficaz poderio investigativo, fiscalizatório e relevância à arrecadação em si mesma. Tão decantadas as narrativas sobre as exigências instrumentais, tornou-se comum anunciá-las[2] com um argumento aparentemente irrebatível do entrave ao desenvolvimento econômico nacional por trazerem maior complexidade ao sistema tributário. Com todo respeito aos ideários desse ponto de vista, não aderimos a essa tese, ao menos não na sua integralidade.

Isso porque, paralela e concomitantemente ao avanço e investimento tecnológico disposto ao fisco, a digitalização em comento também e na mesma proporção possibilitou ao contribuinte, o alargamento de suas bases de informações tributárias e capacitou-o com ferramental bastante vigoroso e robusto o qual, visto com as diretrizes de conformidade e probidade da administração do empreendimento seja qual o nível e porte econômico, habilitou-o igualmente à condução rígida e transparente do negócio empresarial, isto é, avançando além da entrega e cumprimento da obrigação e percebendo-a como aliada do planejamento tributário, o contribuinte se favorece de provas estruturalmente firmes se eventualmente contrapostas à interpretações diferentes do fisco quando da imposição de infrações e multas.

Com isso e, sopesando sobre as regras do jogo, não assentimos à narrativa da inequívoca complexidade do sistema tributário aventada comumente porque, diferentemente das comparações[3] nas quais as obrigações tributárias do Brasil são colocadas ao lado de outros países, entendemos em primeiro lugar que, as diferenças da dimensão continental do país e a Federação[4] como alicerce constitucionalmente inquebrável, cotejadas a outros em nada semelhantes, desfaz por completo a classificação ou categorização intentada. Em segundo, para além e muito da narrativa facilitada pela sempre subserviente e repetida argumentação do entrave, o sistema de cumprimento obrigacional principal e acessório brasileiro, além de referência mundial[5], deve ser visto e bem entendido como aliado do contribuinte pelas razões acima, superando por assim dizer, a retórica política tendente ao mero desgaste de verdadeiras virtudes sistêmicas para que ao cabo, sejam substituídas por outras de mesmo teor, ainda que forma diferente[6].

Não é tão distante o tempo das primeiras declarações de imposto de renda pessoa física elaboradas e entregues a partir de um suporte informatizado, ainda que hoje pareça inusitado e desconhecido por alguns aqueles disquetes de 5 ¼ polegadas[7]. Se o Sistema Público de Escrituração Fiscal (SPED) conhecido hoje figura como relevante avanço da inteligência tecnológica fiscal, parece salutar reprisar esses primórdios da digitalização justamente dedicado a uma das declarações tributárias (a declaração de imposto sobre a renda da pessoa física – DIRPF) porque nela reside certamente até hoje, a mais ampla e generalizada gama de informações, pessoas obrigadas e contribuintes do imposto, resultando em um espectro gigantesco de cruzamentos e averiguações de teor fiscal e tributário à mão não somente do fisco como do próprio declarante.

Assim afirmamos tendo como premissa a tomada de posição acima enunciada, qual seja, tendente a ter na digitalização das obrigações um aliado da busca da necessária conformidade tributária. O declarante pessoa física tem hoje à disposição, declarações de imposto sobre a renda pré-preenchidas e as quais lhe remetem de antemão, informes de rendimentos emitidos pelas fontes pagadoras que outrora poderiam lhe ocasionar riscos e verdadeiros danos dada a captura e guarda manual antes sujeitas à fragilidade da organização de documentos e até ao esquecimento puro e simples. Também com a certificação digital do CPF – o e-CPF[8] – a pessoa física obrigada à declaração de renda tem em mãos e facilmente o controle dos processamentos de informações tributárias de seu interesse e exigidas pelo fisco federal, aumentando potencialmente o afastamento de risco e danos. Tudo isso para reafirmar os pontos positivos da digitalização das obrigações tributárias e contraditar a via argumentativa desabonadora usualmente focada na dificultação do cumprimento obrigacional. Nesse singelo exemplo, a declaração de imposto sobre a renda da pessoa física já carreia forte intersecção de dados obtidos em instrumentos como a DIRF[9] (declaração do imposto sobre a renda retido na fonte), DOI[10] (declaração de operações imobiliárias), DIMOB[11] (declaração de atividades imobiliárias), DMED[12] (declaração de serviços médicos e de saúde) e a e-Financeira[13]. Queremos com isso reafirmar nosso posicionamento e, concomitantemente, rechaçar a narrativa meramente antipática ao cumprimento acessório das obrigações tributárias, ou seja, a tecnologia disponível e a possibilidade facilitada posta aos contribuintes para antever ocorrências danosas trilha junto com a integridade programada e o bom planejamento de condutas com vistas a diagnosticar, mapear e auditar dados sensíveis da tributação incidente.

Para além da superfície, sem deixar-se seduzir e em sentido absolutamente oposto à argumentação de um sempre obstaculizado cumprimento das obrigações, a evolução sistêmica da elaboração e entrega eletrônica da declaração de imposto sobre a renda da pessoa física em sincronia com os dados inseridos nas outras demais acima exemplificativamente mencionadas, de plano, tem o condão de demonstrar o aperfeiçoamento qualitativo para um ótimo e pormenorizado programa de integridade tributária.

É com esse vetor – o da excelência da informação elevada ao ápice do programa de integridade fiscal e tributária – que igualmente qualificamos o Sistema Público de Escrituração Digital[14] – SPED – o qual, desde o primórdio da instituição em 2005[15] da nota fiscal eletrônica (NF-e)[16] e do seu documento auxiliar (DANFE) proporcionou ao contribuinte uma intensa (e não por isso, frisa-se, impossível) revisão de dados de gerenciamento da atividade econômica os quais, em via reflexa, fortaleceu controles capazes de reunir sistematicamente um feixe de suma relevância dos seus estoques, produção, comercialização e prestação de serviços, alargando sobremaneira e antecipando as vias de análise e auditoria das operações negociais. Sob esse olhar, são potentes qualificadoras que habilitam e robustecem os pilares e as etapas para um competente, incisivo e objetivo programa de conformidade bem como de um ótimo planejamento tributário.

O discurso do entrave, do embaraço e da complexidade do cumprimento e verificação das obrigações instrumentais, tanto ao fisco quanto ao contribuinte, bem caberia nos distantes tempos de livros em papel e notas fiscais emitidas por vezes em até cinco vias, cenário esse, diametralmente oposto aos atuais “Sped´s” organizados digitalmente e auditáveis por todos os atores, sem exceção, do processo de geração, entrega e bom uso de dos fatos jurídicos de interesse contábil, fiscal e tributário.

Nesse sentido e, como exemplo para muito além da seara tributária, o e-Social[17] trouxe uniformidade dos fatos de relevo da relação trabalhista em si mesma ou, em outras palavras, oferece previamente a oportunidade da preparação de métodos e planificação rígida adequados ao rigor legal, eliminando em seu todo, passivos oriundos de condutas incertas ou de duvidosa adesão jurídica em um patamar contencioso, convergindo ao que defendemos, a uma estratégia de conformidade responsável. Sem deixar escapar de nossa menção, o avanço social trazido pela Lei Complementar nº 150/2015[18] encontra no sistema e-Social, módulo simplificado de controle e inserção de dados pelo empregador doméstico, antagonizando ao fácil apelo patrocinado pelos retóricos que reduzem o cumprimento de obrigações ao estorvo. Para além da desditosa dificuldade e, enxergando o conceito intrínseco induzido pelo e-Social, percebe-se claramente a proteção dos dados do empregado e a conduta do empregador ao que, em ambos os lados e como preferimos aqui sustentar, confluem à legalidade da relação trabalhista, seus reflexos tributários bem como à prevenção de custosos passivos.

Em outra vertente de significativa importância e notória atualidade, a Escrituração Fiscal Digital – Contribuições[19] e a Escrituração Fiscal Digital ICMS/IPI[20] estão alinhadas e entrecruzadas à “Tese do Século[21]” pondo alinhadas lado a lado e pragmaticamente, (i) a operacionalização do planejamento tributário judicialmente exitoso da exclusão do ICMS das bases de cálculos das contribuições sociais (PIS e COFINS), (ii) a normatização vigente[22] e, novamente por certo, (iii) a mensuração, correção e controle do programa de integridade tributária.

Nesse ponto, respeitosamente, derrui-se em nosso ver, a eloquente porém frágil tergiversação usualmente abrigada nas narrativas desabonadoras contrárias às regras de cumprimento acessório das obrigações tributárias[23] já que, por intermédio dessas duas declarações digitais, o atingimento da economia tributária por anos guerreada não só capacita o usuário final – contribuinte – à fruição da decisão exarada pela Corte Suprema, como e igualmente permite a fiscalização e controle da arrecadação pelos órgãos instituídos em vívida troca de informações entre a União e Estados. No entremeio da relação jurídico-tributária, predispõe-se vias da administração e gerenciamento interno às empresas como aqui defendemos, arraigadas em boas condutas e políticas de integridade.

Indo às linhas de conclusão, uma mensagem que pretensiosamente esperamos fincar é a da supina oportunidade em perceber os “Sped´s” holisticamente, alçando-o por extremamente favorável às políticas empresariais com objetivo de estruturação, elaboração e implantação de um consciente planejamento tributário e um adequado e eficaz programa de integridade fiscal, afastando a sempre mesma narrativa contraproducente do entrave causado pelas obrigações tributárias.

Por fim, a menção à propalada reforma tributária[24] vivenciada atualmente se faz necessária ao ponto que a principal proposição embandeirada é a da simplificação e desburocratização do sistema tributário. A reforma em si aqui não é objeto, todavia indagamos em incentivo ao debate, se a enaltecida descomplicação prescindirá dos atuais controles acessórios das obrigações ou, criando outros adequados a um suposto novo imposto, as declarações instrumentais de fato terão boa acolhida diferente da desvalorização empreendida hoje, imerecida ao nosso sentir.

Alexandre Pantoja, advogado em São Paulo, sócio do escritório Alexandre Pantoja Advocacia, especializado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

 

[1] (Código Tributário Nacional). Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

  • 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
  • 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
  • A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. (grifamos)

[2] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/banco-mundial-empresas-gastam-ate-1501-horas-para-pagar-impostos-no-brasil/ (acessado em 23/04/2023)

[3] https://www.sindifisco-rs.org.br/interna.php?secao_id=12&campo=20261 (Acessado em 23/04/2023)

[4] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado; (grifamos)

[5] https://blog.taxceladdins.com.br/nota-fiscal-eletronica-uma-tendencia-mundial/ https://www.sispro.com.br/a-revolucao-do-sped-esta-apenas-comecando/ (Acessados em 23/04/2023)

[6] https://liveuniversity.com/adocao-ibs-na-pratica/ (Acessado em 23/04/2023)

[7] https://sites.unoeste.br/museu/disquete-5-14-polegadas/ (Acessado em 23/04/2023)

[8] https://www.gov.br/pt-br/servicos/obter-certificacao-digital (Acessado em 23/04/2023)

[9] https://www.gov.br/pt-br/servicos/declarar-imposto-de-renda-retido-na-fonte (Acessado em 24/04/2023)

[10] https://www.gov.br/pt-br/servicos/declarar-operacoes-imobiliarias (Acessado em 24/04/2023)

[11] https://www.gov.br/pt-br/servicos/declarar-atividades-imobiliarias (Acessado em 24/04/2023)

[12] https://www.gov.br/pt-br/servicos/declarar-servicos-medicos-e-da-saude (Acessado em 24/04/2023)

[13] http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/1499#:~:text=Slides%20de%20reuni%C3%B5es-,O%20que%20%C3%A9,pelo%20m%C3%B3dulo%20de%20opera%C3%A7%C3%B5es%20financeiras. (Acessado em 24/04/2023)

[14] http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/964 (Acessado em 24/04/2023)

[15] https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/2005/AJ007_05 (Acessado em 24/04/2023)

[16] http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/1328 (Acessado em 24/04/2023)

[17] https://login.esocial.gov.br/login.aspx (Acessado em 24/04/2023)

[18] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm (Acessado em 24/04/2023)

[19] http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/284 (Acessado em 24/04/2023)

[20] http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/523 (Acessado em 24/04/2023)

[21] https://www.migalhas.com.br/depeso/357401/conheca-a-historia-da-bilionaria-da-tese-do-seculo-firmada-pelo-stf (Acessado em 24/04/2023)

[22] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=127905 (Acessado em 24/04/2023)

[23] https://brasil61.com/n/empresas-brasileiras-gastam-quase-dez-vezes-mais-tempo-com-impostos-que-concorrentes-pind233937#:~:text=Segundo%20o%20estudo%20Doing%20Business,por%20ano%20ano%2C%20em%20m%C3%A9dia. (Acessado em 24/04/2023)

[24] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/02/03/congresso-e-planalto-vao-tentar-mais-uma-vez-aprovar-a-reforma-tributaria#:~:text=Em%202023%20o%20Congresso%20Nacional,como%20prioridade%20para%20o%20pa%C3%ADs. (Acessado em 24/04/2023)

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