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TRIBUTÁRIA: UMA REFORMA PARA CHAMAR DE SUA

By 28 de fevereiro de 2021 No Comments

(Original publicado na Edição nº 98 da Revista Negócios em Movimento em 13/11/2018)

Criar perplexidades sempre foi o modus operandi de todos que pretendem forjar uma situação como inevitável. Mantendo o público alvo atônito, esse modo de operar cria e vende produtos altamente dispensáveis, introduz tendência de moda como se nova fosse, ainda que dure menos que a estação mais quente do ano e sustenta salvadora apologia política e econômica para tornar inexorável, o incerto e desconhecido. Os exemplos tendem ao infinito e quanto maior a capacidade de manter o estado de comoção, maior a possibilidade de sucesso da operação. Não é diferente quando se trata de reforma tributária.

Patente a total falta de propostas concretas, realizáveis ou ao menos plausíveis na recente última campanha eleitoral à presidência da República, restaram apenas convicções omissas de detalhes e opiniões personalíssimas ao gosto do público e ao estilo beijos para a torcida. E foi neste cenário, projetada como irremediavelmente necessária por todos os candidatos ao cargo máximo do Poder Executivo, a (tal) reforma tributária.

Por estratégia, firmar uma real proposta, como a controvertida reforma previdenciária, não recrutaria adeptos nem votos e ao contrário, só faria aumentar os índices de rejeição. Sobrou a (tal) reforma tributária para alimentar o modus operandi, afinal, o objetivo de campanha é criar tendência e necessidade e para isso, nada como a unanimidade atônita. Para quem conhece a cidade de São Paulo, experimente gritar “pega ladrão” na Rua 25 de Março no meio do dia de véspera de natal. O efeito é o mesmo.

Convenhamos, a promessa de isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais por mês, o compromisso em cobrar muito mais dos possuidores de grandes fortunas e as juras de futura e duradoura justiça social com a tributação de lucros e dividendos agrada aos ouvidos do público, ainda que, nem plateia nem candidatos façam ideia do que seja isenção, imposto, justiça, fortuna ou lucro que, por se tratarem de termos técnicos, são oportunamente desinteressantes na conquista do voto. Simplesmente soa bem e o modo de operar campanhas exige que seja assim. Parafraseando o famoso mantra, “é a publicidade, estúpido!”

E o que não se conta para a plateia extasiada com as boas novas? Ora, que o preço do arroz e do risoto, do coxão duro e do filé mignon ou do Uno 1.000 e da Mercedes GLC serão os mesmos e, nem a (tal) reforma tributária fará com que você pague menos! O objetivo de qualquer sistema tributário do mundo é arrecadar e país algum, incluindo por certo o nosso Brasil, se furtará em manter a arrecadação minimamente nos mesmos patamares do mês passado, almejando sempre uma maior fatia, seja lá por qual meio.

É o imposto que alimenta todos os candidatos agora eleitos e seus assessores, paga pelas passagens de avião, planos médicos, paletós e aluguéis dos deputados, senadores, juízes, seus cônjuges e filhos. Sustentam também quase dois mil municípios criados à satisfação ególatra dos últimos coronéis e que geram pouca ou nenhuma receita própria.

Eis a pergunta indiscreta: se com ou sem a reforma, o objetivo maior continua ser arrecadar e manter o sustento dos sistemas político, administrativo, judiciário, previdenciário e tantos outros, o problema está mesmo no sistema tributário?

A mística da reforma tributária vai mais longe. Perplexos com o streaming, download e o software as a service, os reformadores gritam “pega ladrão” ao meio dia na 25 de março afirmando que a balzaquiana Constituição Federal do Brasil não acompanhou a evolução tecnológica e, alardeando a contraditória expressão “bens digitais”, afirmam que o complexo sistema tributário vigente por fim, não é complexo o suficiente para adequar a novidade.

Pronto, um novo falso problema e o modus operandi está instalado. O remédio está no novíssimo cinquentenário IVA, o imposto sobre valor agregado. Com o novo imposto, ninguém mais terá que interpretar leis e consequentemente, não haverá mais conflitos entre o fisco e contribuinte, atraindo definitivamente os investidores ao parnasiano ambiente de negócios do país.

Outra qualidade do novo imposto é que a União, Estados e Municípios estarão limitados à lei e, além de proibidos de concederem regimes especiais e isenções, serão obrigados a devolver os créditos tributários aos contribuintes. Pega ladrão! Desde antes da Constituição de 1988, o sistema tributário contemporâneo prevê fartamente iguais condições e restrições e, se há desvios que se imponha a aplicação e sanção já previstas. Por qual razão a não-interpretação do novo sistema afastaria tais atalhos? No mais, o IVA enfrenta em si mesmo, o revés de inconstitucionalidade invencível por se debater com cláusulas fundamentais as quais a Constituição Federal não se flexiona, nem se abala à perplexidade de última hora.

Para esse contexto, serve a lenda do menino holandês notabilizada em pinturas e esculturas naquele país. Diz a lenda que o menino, percebendo um vazamento no dique e sabendo do perigo da inundação, prontamente se dispôs com um só dedo a conter a ferocidade zangada das águas e lá ficou sozinho, suportando o cansaço e pressão por toda noite. Para uns, o menino agiu com estupidez e sua atitude em nada poderia conter a força e fúria do mar. Para outros, o menino foi corajoso, pois sabia que um só dedo e sabedoria bastariam para salvar seu país. Em Direito Tributário também é assim. Ao menos para aqueles que não se atordoam nem se tornaram submissos aos precedentes, sempre haverá interpretação e outro discurso. A hermenêutica não morreu.

Em tempo: o menino da lenda holandesa é considerado um herói em seu país. Já por estes lados…

*Alexandre Pantoja é advogado atuante, especializado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (GVlaw). Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP).

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